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Pessoas como referências: transmissão de conhecimentos e a visibilidade dos detentores de saberes indígenas

Referência e confiabilidade

Quando se fala em referência, pensamos imediatamente em um modo de conhecer, de reconhecer e de localizar algo que nos interessa. Por exemplo, quando falamos de conhecer uma certa paisagem:

  • se dissermos que um elemento dessa paisagem é um ponto de referência, dizemos que ele é uma marca, e um distintivo, que nos ajuda a conhecer melhor esse lugar;
  • o ponto de referência permite voltar a esse lugar;
  • o ponto de referência também permite observar outros elementos desse lugar na relação com ele, e assim conhecer melhor o lugar;
  • o ponto de referência também ajuda a compartilhar o conhecimento.

A ideia de referência também é usada para se construir e navegar conhecimentos de outros tipos:

  • Uma canção pode ser uma referência para uma época, para um povo, para uma língua ou para um artista.
  • Uma narrativa pode ser uma referência para conhecimentos sobre história, geografia, vivências e sentimentos.
  • Um certo tipo de objeto, de planta ou de comida pode ser uma referência para se conhecer uma cultura e diferentes povos.

Museus são construídos como espaços de conhecimento – científico, histórico e cultural – porque procuram reunir várias referências para que pessoas e coletividades possam conhecer e elaborar seus aprendizados . Nem todo Museu precisa que essas referências sejam coleções de objetos, podendo reunir falas, informações bem organizadas, e sobretudo propiciar a oportunidade do encontro – o espaço e o tempo para o encontro – onde o público possa conviver com as referências.

A relação entre a referência e o conhecimento resulta em confiança. Para que as pessoas possam localizar os conhecimentos específicos e confiáveis sobre assuntos de seu interesse, museus e outras instituições de conhecimento fazem também materiais de referência com informações confiáveis , por exemplo:

  • catálogos – para saber o que existe em uma coleção;
  • enciclopédias – para encontrar conhecimento sobre um assunto;
  • dicionários – para conhecer quais palavras existem e como são usadas em uma determinada língua ou por uma área especializada;
  • atlas – para conhecer mapas que apresentam diferentes informações sobre espaço;
  • manuais – para conhecer tecnologias e modos confiáveis de usar equipamentos.

Povos indígenas e a pessoa como referência

O Conselho Indígena Aty Mirim do Museu das Culturas Indígenas é formado por 36 lideranças indígenas do Estado de São Paulo. Desde 2022, esse grupo vem formulando conceitos para as diferentes atividades do Museu, em diálogo com a equipe técnica da instituição.

Um dos pontos recorrentes trazidos pelo Conselho Aty Mirim é que, em contextos indígenas, conhecimentos são transmitidos sobretudo pela prática, pela sensibilidade e pelos ensinamentos orais. P or isso, a principal referência dos conhecimentos, histórias, vivências e modos de convivência locais são as próprias pessoas.

Isso não quer dizer que todas as pessoas das comunidades sejam detentoras de conhecimentos iguais ou que sejam referências comparáveis entre si. As pessoas mais velhas acumulam memórias ao longo de sua vida, diferenciando-se das mais novas . Algumas pessoas têm especial interesse ou aptidão para certa prática ou conhecimento. Outras têm modos de fazer, de falar e atitudes que são exemplares para toda a comunidade.

Em algumas paisagens, certos tipos de conhecimento são mais propícios: conhecimentos sobre a caça dependem da disponibilidade de caça; conhecimentos sobre artes e tecnologias dependem da disponibilidade de matérias-primas. Em outras situações, os conhecimentos propiciam a memória das paisagens de antigamente e propiciam a reconstrução de novos modos de vida. Novos conhecimentos e modos de fazer também são criados e transmitidos.

Isso quer dizer que, ao procurar saber mais sobre um assunto, procura-se uma pessoa reconhecida por saber muito sobre esse tema . O que, aliás, não é muito diferente da ideia de especialista, usada frequentemente em espaços não indígenas, para ter acesso a opiniões ou informações confiáveis.

Para a salvaguarda do patrimônio cultural indígena é crucial que a oportunidade de encontro e aprendizado para a construção da referência possa acontecer pelo contato com as pessoas-referência. É na escuta, no compartilhamento de experiência, na observação dos fazeres e das atitudes que se transmite e preserva o patrimônio cultural como prática. A pesar da crescente visibilização indígena no espaço público no Brasil, e do desenvolvimento de metodologias e políticas para o patrimônio cultural indígena, muitas pessoas consideradas como referências em suas comunidades ainda são pouco conhecidas do público , mesmo nas regiões em que elas vivem.

Conheça alguns filmes com relatos indígenas da nossa coleção audiovisual:

Toré e Petyngua: Fortalecimento Espiritual (2003, 11’54’’) Vídeo produzido como resultado de atividades formativas em produção audiovisual realizadas com a equipe indígena do #MCI, voltadas à construção e partilha de narrativas sobre o Museu das Culturas Indígenas e sobre a vivência de alguns dos povos representados pelo Conselho Aty Mirim.

Fortalecimento da Cultura Tupi (2003, 08’26’’) Vídeo produzido como resultado de atividades formativas em produção audiovisual realizadas com a equipe indígena do #MCI, voltadas à construção e partilha de narrativas sobre o Museu das Culturas Indígenas e sobre a vivência de alguns dos povos representados pelo Conselho Aty Mirim.

Conheça a série do Progdoc do Museu do Índio no YouTube:

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Mauro Barbosa de. A Enciclopédia da Floresta e a Florestania. UOL, Rio Branco, 03 jan. 2008. Disponível em: http://www2.uol.com.br/pagina20/03012008/papo_de_indio.htm

BATISTA, Kátia Mara; MILIOLI, Geraldo; CITADINI-ZANETTE. Saberes tradicionais de Povos Indígenas como referência de uso e conservação da biodiversidade; considerações teóricas sobre o povo Mbya Guarani. Ethnoscientia, v. 5, 2020.

BICALHO, Poliene Soares dos S. O reconhecimento indígena além do direito: uma referência ao povo indígena Tapuia do Carretão. Fragmentos de Cultura, Goiânia, v. 25, n. 4, p. 573-584, out./dez. 2015.

BOYLE, Patrick J. (Org.). Como gerir um museu: manual prático. Brodowski:Associação Cultural de Apoio ao Museu Casa de Portinari; São Paulo: Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas, 2015.

CUNHA, Manuela Carneiro da; ALMEIDA, Mauro Barbosa de. Enciclopédia da Floresta, São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

CURY, Marília Xavier (org). Museus e indígenas: saberes e ética, novos paradigmas em debate. São Paulo: Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas, ACAM Portinari, Museu de Arqueologia Etnologia da Universidade de São Paulo, 2016.

DJUROVIC, Camila Alvarez. Centros de Pesquisa e Referência nos museus da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas: um estudo comparativo. 2020. Monografia (especialização em museologia, cultura e educação) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2020.

GILL, Tony. Building semantic bridges between museums, libraries and archives: Tha CIDOC Conceptual Reference Model. First Monday, v.9, n 5, maio de 2004.

PARDI, M. L. F. A importância da arquitetura pré-histórica e indígena como referência dentro de um processo integrado de resgate cultural. Revista de Arqueologia. São Paulo, 7:87-97, 1993.

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