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Memória digital dos Povos Indígenas: um desafio coletivo

Artefato indígena

Desde que os equipamentos digitais começaram a ter um uso disseminado na vida cotidiana das pessoas e famílias e na rotina das instituições – inicialmente computadores e videogames, mas aos poucos também câmeras e telefones celulares – um grande volume de memória em todo o mundo passou a nascer digital. Isso quer dizer que muitos materiais de memória coletiva, produzidos em quase meio século, estão em formatos digitais que foram mudando ao longo do tempo, e estão armazenados em equipamentos que também se transformam com grande velocidade.

No momento que vivemos, muitas comunidades indígenas usam esses recursos. Materiais audiovisuais numerosos e diversos são produzidos em projetos culturais; atividades nas escolas indígenas registram seus cotidianos e desenvolvem atividades com equipamentos digitais; registros de eventos, conversas e discussões acontecem por meio das redes sociais; pesquisas são feitas nas suas comunidades e nas universidades; e as famílias já constroem suas memórias usando as possibilidades de registro oferecidas pelos telefones celulares.

Tudo isso quer dizer que esses universos de material digital podem vir a compor patrimônio cultural e histórico muito relevante, a ser tratado com cuidados específicos. Tais cuidados podem ser técnicos, éticos ou políticos, mas todos eles são importantes e complementares.

Do ponto de vista dos cuidados técnicos, existem diferentes desafios que vêm sendo discutidos nas áreas da memória e da informação. Um dos mais importantes é colocado pela transformação muito rápida da tecnologia, inclusive dos equipamentos de armazenamento de arquivos. Muitos equipamentos não são feitos para armazenar informação digital por longos períodos, ou então deixam de ter espaço suficiente conforme os materiais digitais vão ficando cada vez mais “pesados”. 

Normalmente são necessárias rotinas para refazer cópias periodicamente, o que exige uma organização coletiva, metodologias específicas e garantia de recursos ao longo do tempo. Outra questão técnica importante diz respeito à quantidade de materiais produzidos: o acúmulo de novos itens digitais está sempre crescendo, e de modo acelerado. Com isso, como é possível desenvolver modos de selecionar aquilo que será realmente importante guardar para as próximas gerações? E como garantir que, num futuro distante, será possível conhecer as informações mais importantes sobre aquele material?

Do ponto de vista político, é preciso criar soluções para garantir os direitos das pessoas e coletividades indígenas com relação à sua própria memória. Muitos materiais digitais se encontram acumulados em nuvens ou suportes sobre os quais poucas pessoas conseguem exercer algum controle. A autonomia pode ser construída pelo aprendizado técnico sobre o funcionamento dos dispositivos digitais, e também pelo aprendizado de como se relacionar com as grandes empresas que administram serviços de armazenamento digital (as chamadas nuvens), redes sociais, e serviços de e-mail, e que ficam na posse das informações dos usuários. Outros materiais se encontram muitas vezes em instituições públicas ou da sociedade civil, que executam políticas públicas, e ainda não puderam ser adequadamente disponibilizados às suas comunidades de interesse. Construir uma relação mais próxima de coletividades com a memória digital presente nessa diversidade de espaços é um grande desafio político, que deve ser enfrentado coletivamente.

Do ponto de vista ético, é importante pensar em cuidar das pessoas, relações, coletividades, ideias e sensibilidades que estão materializadas em formato digital. É preciso atentar e respeitar a especificidade cultural de cada povo indígena, com suas próprias dimensões de valores e de sentimento, inclusive nas importantes decisões sobre o que deve ou não ser registrado, preservado e/ou circulado. Os materiais digitais circulam para lugares distantes a uma velocidade muito rápida, e podem ser copiados com muita facilidade. Por isso, eles colocam riscos de apropriação da imagem, de conhecimentos, e de distorção de significados e de condutas específicos. Como cuidar desses materiais, desde sua produção, de um modo cuidadoso com esses riscos?

Desde a criação do Museu das Culturas Indígenas, a sua equipe vem discutindo todas essas questões, no sentido de construir coletivamente caminhos e processos compartilhados com os povos, territórios, organizações e redes indígenas, contribuindo para a construção da salvaguarda desse patrimônio tão significativo. A experiência já existente nos espaços indígenas com relação às tecnologias digitais nos fornece recursos e um início de conhecimento para a gestação de modos de fazer sensíveis à diferença cultural e à importância dessa memória.

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