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Museu das Culturas Indígenas – patrimônios, acervos e cuidados: começando um caminho pelas palavras

A criação do Museu das Culturas Indígenas (MCI) foi impulsionada por mobilizações indígenas pelos direitos ao território e à educação diferenciada. Ela se conecta diretamente com o protagonismo indígena contemporâneo, com a arte indígena cosmopolítica e com a museologia indígena, que têm impactado cada vez mais fortemente a produção cultural, as políticas públicas e a economia da cultura.

A principal pergunta colocada hoje para o Museu das Culturas Indígenas é: o que ele terá de diferente de outros museus?

Desde o início, a concepção, a gestão e as atividades cotidianas do MCI serão realizadas a partir de um processo de participação indígena em todos os seus níveis de construção. Isso também acontecerá no seu Programa de Acervos.

Neste primeiro Boletim de Acervos, compartilhamos um histórico das palavras “museu”, “patrimônio” e “acervo”, para apoiar a construção do novo Museu na sua diferença.

O que é um Museu?

Um museu pode ser muitas coisas. Na maior parte dos casos, considera-se que aquilo que os museus têm em comum é serem guardiões de um certo número de coisas. Essas coisas costumam ser conhecidas como acervos e como patrimônios.

O Conselho Internacional de Museus (ICOM) é uma associação profissional da área da museologia, que reúne mais de 40 mil pessoas ao redor do mundo, e se dedica a pensar, acompanhar e apoiar a criação e o aprimoramento de museus. No ano de 2022, após diversas rodadas de discussão, o ICOM oficializou uma definição de museus sintonizada com questões colocadas no nosso presente. Essa definição diz o seguinte:

Um museu é uma instituição permanente, sem fins lucrativos, a serviço da sociedade, que pesquisa, coleciona, conserva, interpreta e expõe patrimônio material e imaterial. Abertos ao público, acessíveis e inclusivos, os museus promovem a diversidade e a sustentabilidade. Atuam e se comunicam de forma ética, profissional e com a participação das comunidades, oferecendo experiências variadas de educação, entretenimento, reflexão e compartilhamento de conhecimento.

Na primeira parte dessa definição, a ideia mais importante é a de patrimônio e, nela, o patrimônio é considerado tanto como material, quanto imaterial. Em torno da ideia de patrimônio, aparecem as atividades básicas que historicamente são associadas aos museus: pesquisar, colecionar, conservar, interpretar e expor.

Patrimônios

A palavra patrimônio tem uma história longa que remonta ao Império Romano. Na língua latina, ela queria dizer a herança, ou os bens que pertenciam a uma família, coisas que são cuidadas e passadas entre gerações da mesma família. Na Europa, no século XVI, a palavra passa a se referir a um conjunto de riquezas e preciosidades.

Nos séculos XIX e XX, começa-se a reconhecer que povos de diferentes regiões e países têm direitos coletivos. Assim estas coletividades também têm os seus patrimônios, e o cuidado com o patrimônio começa a ser pensado como um dever perante a coletividade, uma obrigação, não apenas dos cidadãos, mas do Estado.

Hoje em dia, quando se fala em patrimônio, pensa-se em um grupo formado por diferentes gerações de pessoas, e nas coisas que são consideradas importantes de serem passadas dos mais velhos para os mais novos. Entre essas coisas, não estão apenas os objetos e artefatos, mas também os conhecimentos, as histórias, os rituais, as músicas.

Dessa forma, uma pergunta que surge para o Museu das Culturas Indígenas é: o que será reconhecido como patrimônio dos povos indígenas? Usaremos essa palavra e essa concepção de origem europeia? O que é importante transmitir para as futuras gerações?

Acervos

A palavra acervo também é de origem latina, do Império Romano. Ela significava um amontoado, um ajuntamento de coisas que vão sendo deixadas em determinado lugar. Num período mais recente, o termo ganhou sentido positivo, indicando um conjunto de coisas que foram reunidas por alguém em determinado espaço porque possuem certo valor e merecem cuidado.

Hoje, a diferença entre um amontoado – que os profissionais chamam de “acumulação” – e um acervo é que este é reconhecido como um conjunto que tem alguma importância porque reflete certos conhecimentos, histórias e identidades e, por isso, merece cuidado especial.

A decisão de reconhecer um conjunto de coisas como patrimônio e como acervo, ou seja, a importância desse conjunto, é uma questão de ordem política. Isso quer dizer que tal decisão é feita num determinado momento, por um determinado grupo de pessoas, e de modo coletivo.

Isso dá origem a mais uma pergunta: o que o Museu das Culturas Indígenas irá considerar como acervo? O Museu também irá usar essa definição de origem europeia? Como a diversidade de conhecimentos, perspectivas, artefatos e memórias de diferentes povos indígenas poderá ser materializada em acervos, em conjuntos de coisas consideradas importantes?

Cuidados

Quando se decide que um conjunto de coisas é importante, que ele deve ser reunido e guardado num certo lugar (acervo), que ele deve ser passado de geração em geração (patrimônio), logo pensamos na ideia de cuidado. A palavra cuidado tem, na sua origem, o verbo cogitar, e as ideias de pensamento, ponderação, atenção e reflexão. Nos museus, é preciso tomar cuidado com patrimônios e acervos, o que começa com o pensamento e o planejamento, e que deve estar claro também nas ações, como gestos que refletem esse pensamento.

O Museu é um espaço de cuidados: com a preservação do acervo, para que ele chegue às próximas gerações; com os conhecimentos ligados a esse acervo; e com as pessoas que queremos animar para conhecer e se relacionar com esse acervo.

Todos esses passos que mencionamos são parte da definição de uma política de acervos:

  • Reconhecer coletividades e seus direitos;
  • Reconhecer conjuntos de coisas e conhecimentos que são importantes de serem passadas entre as gerações;
  • Reconhecer os cuidados que é preciso ter para que essa transmissão aconteça.

Os povos indígenas no Brasil têm seus próprios conceitos a respeito daquilo que é importante transmitir entre as diferentes gerações – ideias que podem ser aproximadas à de patrimônio. Eles também têm seus próprios modos de reunir e cuidar daquilo que consideram importante – ideias próximas à de acervo. Coletividades, lideranças, professoras e professores, pesquisadoras e pesquisadores indígenas, também têm pensado em modos de se apropriar dos conceitos de patrimônio e de acervo nos termos de cada coletividade ou cada povo.

O que os povos indígenas consideram como seus patrimônios? Como reconhecer esses patrimônios por meio da formação de acervos? E que cuidados serão tomados com esses patrimônios, esses acervos e na sua transmissão para o futuro?

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