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Pesquisa autônoma e seus desdobramentos: formas de fortalecer identidades

A Pesquisa Autônoma Pankararu nasce do desejo de jovens indígenas do Povo Pankararu integrantes da equipe do Museu das Culturas Indígenas (MCI) em fazer uma investigação sobre a língua materna de seu povo através de cânticos, toantes, histórias e registros. Ediele Pankararu, Ednei Pankararu, Amanda Serafim Pankararu e Charles Pankararu encontraram parceria e apoio com Clarice Pankararu, supervisora da área de Programação Cultural e Exposição no MCI e presidente da Associação SOS Pankararu, localizada na comunidade do Real Parque, bairro do Morumbi, em São Paulo.

Roupão do Praiá de 1938, parte da exposição “As Missões do Mário de Andrade: identidades, encantos e desencantos”, na Biblioteca Mario de Andrade, 2023.

Ao conversarem sobre essa intenção com Luisa Valentini, então supervisora do Centro de Pesquisa e Referência (CPR) do MCI, surge a iniciativa conjunta de realizar uma pesquisa para pensar ações para o fortalecimento do patrimônio cultural Pankararu no contexto urbano da cidade de São Paulo.

Com o apoio do CPR -MCI e da Associação SOS Pankararu, foi realizado em setembro de 2023 o 1° encontro da Pesquisa Autônoma Pankararu, no Projeto Casulo, na comunidade Real Parque. Reuniram-se 15 pessoas interessadas em conversar sobre a importância do fortalecimento da identidade Pankararu na comunidade Real Parque, presença que marca o processo histórico de migração deste povo de seu território de origem, em Pernambuco, para São Paulo na década de 40 do século XX, em decorrência da expulsão, expropriação, ocupação histórica e, consequentemente, da seca e da fome que assolou a região naquele momento.

Falou-se sobre a importância da linhagem feminina na transmissão de conhecimentos e cuidados para a manutenção da cultura Pankararu junto às crianças e jovens no dia a dia, de modo que se reconheçam e fortaleçam a identidade pankararu, assim como conheçam a história de seu povo e a luta pela conquista de seu território de origem, a TI Pankararu e a TI Entre Serras, no estado do Pernambuco, homologadas em 1987 e 2007, respectivamente. A divisão de papeis femininos e masculino no cotidiano das famílias que vivem em São Paulo, faz com que a educação parental seja determinante para que a cultura Pankararu se mantenha viva no contexto da cidade de São Paulo.

Registro do 6º Encontro da Pesquisa Autônoma Pankararu, realizado no primeiro semestre de 2025.

Nesse sentido, a comunidade entende que a conquista de um espaço físico é fundamental para criar um Centro Cultural Pankararu na comunidade Real Parque, onde possam juntar crianças, jovens, velhos e adultos para convivência e realização de práticas culturais coletivas. Nesta conversa, o grupo apontou ações possíveis para compor a pesquisa, a serem realizadas nos encontros seguintes: encontros e atividades intergeracionais, criação de material educativo, levantamento do patrimônio cultural Pankararu em museus, acervos, arquivos e bibliotecas físicas e digitais, mapeamento de pessoas de referência da comunidade Real Parque através de suas histórias de vida, registro de memórias da língua ou línguas faladas pelo Povo Pankararu, além de levantamento sobre práticas e conhecimentos tradicionais com plantas medicinais. Tudo em consenso e com o compromisso de disponibilizar e difundir o material produzido para a comunidade Pankararu em São Paulo. 

Logo após o primeiro encontro, o grupo se reuniu para visitar duas instituições que detêm a salvaguarda de acervo material da cultura Pankararu em São Paulo, a fim de aproximar os jovens a essa realidade de trabalho. Conheceram o Núcleo de História Oral do Museu da Cidade de São Paulo, localizado no Solar da Marquesa de Santos, na região da Sé, onde conheceram e identificaram uma série de fotografias registradas no início dos anos 2000 e ouviram uma gravação em áudio de 30 minutos de histórias de vida de pessoas da comunidade do Real Parque. O grupo pode identificar, pessoas, ruas, espaços e traçar paralelos com o presente. Muitas histórias relacionadas aos conteúdos das imagens foram relembradas e compartilhadas. Ao escutarem a gravação, discutiram a possibilidade de promover um encontro com parte das pessoas retratadas e ouvidas para entender contextos, histórias e trocar experiências sobre o passado e o presente da comunidade do Real Parque.

Já na Biblioteca Mário de Andrade, o grupo visitou a Exposição “As Missões do Mário de Andrade: identidades, encantos e desencantos”, que apresenta alguns itens de origem Pankararu – sendo o mais emblemático o roupão do Praiá de 1938 – além de matérias de jornal e registros fonográficos. A contribuição e troca entre os pesquisadores Pankararu e a curadoria da exposição levantaram questões relevantes. Um exemplo foi o adereço de cabeça denominado pelos Pankararu como penacho do praiá, que estava posicionado como um adereço de mão e o item que fica acima da cabeça do praiá, no roupão, que os Pankararu chamam de chapéu, estava nomeado como cocar. O acervo presente na exposição compõe a coleção Missão de Pesquisas Folclóricas de Mário de Andrade do Centro Cultural São Paulo.

Ao longo dos encontros seguintes, a pesquisa se desdobrou e o grupo definiu quatro grandes temas estruturantes: território, cultura, educação e saúde. O território como base para a produção cultural, seja na terra indígena ou em contexto urbano, para a garantia de educação e saúde integral na perspectiva Pankararu e não indígena, uma chave para a compreensão da presença indígena na atualidade e das necessidades básicas para a garantia do bem-viver numa perspectiva cidadã que considere e valorize a diversidade dos povos indígenas que compõem a sociedade nacional.

Nesse processo, o Museu das Culturas Indígenas firmou uma parceria institucional com o Museu da Cidade de São Paulo, na qual o Centro de Pesquisa e Referência do MCI junto ao Núcleo de História Oral e Núcleo Educativo do MCSP desenvolveram um plano de trabalho em conjunto. Duas ações estão em andamento com base nos encaminhamentos realizados durante a Pesquisa Autônoma Pankararu: um vídeo de até 35 minutos que atualiza os temas apresentados na gravação em áudio realizado nos anos 2000 e um material educativo para trabalhar as questões relacionadas à presença indígena em contexto urbano com foco na experiência do Povo Pankararu no Real Parque.

Registro do almoço coletivo do 6º Encontro com Pirão e Garapa.

Para o processo de produção do vídeo, o MCSP contratou dois pesquisadores Pankararu para entrar em contato com o material salvaguardado no Núcleo de História Oral, levantar os principais temas abordados e atualizá-los a partir de novas entrevistas realizadas com pessoas de referência da comunidade Pankararu do Real Parque. Junto ao setor de Comunicação do MCI, foram gravadas, em audiovisual, mais de dez horas de entrevistas, que foram decupadas e estão em processo de edição e montagem através de contratação realizada pelo MCI. A previsão de lançamento do material está prevista para o final deste ano.

Já o material educativo escrito está em desenvolvimento por uma equipe intercultural composta pelos educadores do MCSP, pessoas de referência da comunidade Pankararu do Real Parque e com orientação do Centro de Pesquisa e Referência do MCI e da Associação SOS Pankararu, com previsão de lançamento no primeiro semestre de 2026.

O material produzido ao longo deste percurso também será utilizado para enriquecer a pesquisa no âmbito da exposição Indígenas SP (título provisório) a ser realizada pelo Museu das Culturas Indígenas. Uma demanda trazida pelo Conselho Aty Mirim como forma de dar visibilidade à presença dos povos indígenas no Estado de São Paulo. Os Pankararu da comunidade do Real Parque, os Terena e Kaingang localizados na região Centro Oeste Paulista, os Tupi-Guarani da região do litoral paulista e os povos da Aldeia Multiétnica (Pankararé, Wassu-Cocal, Guajajara, Tupi-Guarani, Pankararu), localizados em Guarulhos, estarão representados nessa exposição, ainda em elaboração.

Esse percurso demonstra como a motivação e interesse da nova geração Pankararu mobiliza, atualiza e fortalece a cultura e a identidade indígena no contexto urbano, tendo o território de origem como fonte de histórias, referências, saberes e conhecimentos, de modo que ocupem espaços, tais como os territórios educativos dos museus, para difundir narrativas nas perspectivas indígenas e ampliar a compreensão indígena e não indígena sobre o processo histórico do qual fazemos parte.

Registros de memória Pankararu, com Rafaela Pankararu, no Museu das Culturas Indígenas, 2025.


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