BOLETIM 06 – Cineclube TAVA no Museu das Culturas Indígenas
“O audiovisual também tem o papel de denunciar tudo o que está ocorrendo em terras indígenas, pois é através dele que nós levamos a mensagem das lideranças para o restante do Brasil e para o exterior. É muito importante que a gente continue com as produções nas aldeias e conte a realidade sob o olhar indígena, não mais pelo olhar do branco.” Takumã Kuikuro, cineasta Kuikuro.
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Lançamento dos filmes “Minha Câmera é Minha Flecha” e “Os Sonhos Guiam”, de Natália Tupi, no Cineclube TAVA. Abril de 2024.
O Cinema tem o poder de provocar experiências sensíveis e profundas reflexões, constituindo-se como um vetor de transformações e comunhão entre aqueles que o produzem e aqueles que o recebem. Pesquisadores dedicados ao estudo da estética e das artes cinematográficas, como Jacques Rancière, destacam o Cinema como um meio que possibilita a partilha da experiência sensível, um espaço onde diferentes realidades podem ser compartilhadas e compreendidas. A capacidade de provocar emoções e questionamentos faz do Cinema uma ferramenta educativa por excelência, capaz de promover o entendimento e o reconhecimento das culturas e histórias dos povos que o produzem.
No Brasil, o cinema indígena começou a ganhar forma na década de 1970 e se consolidou nos anos 1990, alcançando maior notoriedade em festivais e, mais recentemente, em plataformas de streaming. Nas palavras da cineasta Mbya Pará Yxapy (Patrícia Ferreira), essas produções são uma forma de “demarcar as telas”, e refletem não apenas as narrativas, estéticas e culturas indígenas, mas também se tornaram canais importantes de comunicação dentro das comunidades. A diversidade dessas produções é imensa, abordando temas que vão desde tradições e rituais até questões contemporâneas e lutas por direitos, oferecendo uma rica tapeçaria de perspectivas e histórias.
Para o cineasta Guarani Alberto Álvares, o Cinema é uma ferramenta crucial na luta contra a expulsão e exploração de terras, além de ser um meio de reivindicar direitos e obter reconhecimento social, mostrando sua própria visão e modo de vida, em contraste com as representações romantizadas da mídia tradicional.
Desde 2023, o Museu das Culturas Indígenas (MCI) sedia o Cineclube TAVA, um evento mensal que destaca a produção audiovisual indígena, sempre comentada por realizadores ou Mestres de Saberes indígenas. Trata-se de uma oportunidade única para ver, pensar e conversar sobre essas produções, promovendo a visibilidade e o protagonismo das obras indígenas. As sessões já trouxeram filmes de diversas etnias, como Mbya e Guarani, Pankararu, Xavante, Tupi, Kuikuro, Kolla, Huni Kuin, Tupinambá e Maxakali, além de estreias de produções independentes.
Os cineclubes são espaços democráticos, educativos e políticos, promovendo a formação do público através do contato com obras audiovisuais diversificadas. Eles estimulam discussões e reflexões sobre os filmes exibidos, facilitando o encontro entre espectadores, realizadores e críticos. Esse ambiente de diálogo e troca é essencial para a ampliação do conhecimento e a valorização de diferentes perspectivas culturais.
Desde sua criação, o Cineclube TAVA também conta com o Programa Comunidades Indígenas no Museu, do MCI, para contar sempre com a presença de jovens indígenas estudantes ou interessados nas áreas da comunicação e das artes, como, por exemplo o grupo Mbya “Imprensa Kunumingue”, da Terra Indígena do Jaraguá.
A curadoria é realizada pelo Núcleo de Transformação e Saberes, que conta com a equipe de Mestres de Saberes do MCI e é supervisionada pela antropóloga e pesquisadora de cinema indígena Ana Estrela. As sugestões dos próprios participantes do Cineclube também são consideradas na seleção dos filmes, garantindo uma programação rica e diversificada que atende aos interesses e curiosidades do público. O evento conta com o apoio significativo da ONG Vídeo nas Aldeias, que desde os anos 1990 promove a realização de cinema indígena e cede filmes para atividades educativas gratuitas no MCI. Além disso, já contou com a colaboração do Instituto Catitu, do Museu da Parteira, do Cineclube Katahirine e de diversas produtoras independentes. Essas parcerias fortalecem a missão do Cineclube de fortalecer e popularizar o cinema indígena, ampliando ainda mais as redes de apoio e colaboração.
Em 2024, o Cineclube TAVA vem atingindo um público expressivo, consolidando-se como um espaço de reconhecimento e fortalecimento das lutas indígenas. As sessões têm sido muito procuradas, refletindo o crescente interesse e a valorização do cinema indígena também entre o público do museu. Este sucesso reforça a importância de iniciativas como o Cineclube TAVA, que promovem a educação e a sensibilização através do cinema, ampliando as redes de comunicação e colaboração entre as diversas etnias e o público em geral.
Para educadores, o Cineclube TAVA representa uma ferramenta valiosa na promoção do conhecimento e respeito pelas culturas indígenas. As sessões de cinema, seguidas por rodas de conversa com realizadores e mestres indígenas, oferecem a oportunidade de aprendizagem e troca de saberes. A experiência de assistir a um filme indígena e discutir suas temáticas enriquece o processo educativo, proporcionando um entendimento mais profundo e sensível das realidades indígenas.
Para o público em geral, o Cineclube TAVA é uma porta aberta para o mundo do cinema indígena, uma chance de conhecer e valorizar a diversidade cultural do Brasil e do mundo. Cada sessão é uma viagem a diferentes realidades, uma oportunidade de se conectar com as histórias e as lutas dos povos indígenas, ampliando a compreensão e o respeito por suas culturas e tradições.
O sucesso do Cineclube TAVA demonstra a importância de espaços como esse na promoção da diversidade cultural e na educação do público. Ao proporcionar acesso a produções audiovisuais indígenas e promover o diálogo entre espectadores e realizadores, o Cineclube contribui significativamente para o fortalecimento das identidades e lutas indígenas. O Museu das Culturas Indígenas, através do Cineclube TAVA, reafirma seu compromisso com a valorização e a promoção das culturas indígenas, consolidando-se como um espaço de rExistência e protagonismo.
Exibição dos filmes “Imilla”, dirigido por Mayra Arayi e “Nossas Mãos São Sagradas”, de Julia Amorim e realização do Museu da Parteira. Março de 2024.
Exibição do filme “Daritzé, Aprendiz de Curador” (Divino Tserewahú) no Cineclube TAVA. Fevereiro de 2024.
Exibição dos filmes “Minha Câmera é Minha Flecha” e “Os Sonhos Guiam”, de Natália Tupi, no Cineclube TAVA. Abril de 2024.
Lançamento dos filmes “Minha Câmera é Minha Flecha” e “Os Sonhos Guiam”, de Natália Tupi, no Cineclube TAVA. Abril de 2024.
Referências:
BENTES, Ariel. Cineasta Takumã Kuikuro fala do papel do audiovisual indígena. Análise preditiva: o poder de ver o futuro. 2022. Disponível em: <https://expresso.estadao.com.br/naperifa/cineasta-takuma-kuikuro-fala-da-importancia-do-audiovisual-indigena/#:~:text=A%20afirma%C3%A7%C3%A3o%20%C3%A9%20do%20cineasta,o%20exterior%E2%80%9D%2C%20diz%20Takum%C3%A3.>. Acesso em: 3 jun. 2024.
Rancière J. A partilha do Sensível: estética e política. Tradução: Mônica Costa Netto. 2a Ed, São Paulo; Editora 34, 2009. p.72.