Processo de elaboração da Política de Acervo do Museu das Culturas Indígenas

Ao longo do ano de 2024, o Programa de Acervo e Centro de Pesquisa e Referência (PA-CPR) se dedicou a construir alguns fundamentos para nortear a Política de Acervo do Museu das Culturas Indígenas (MCI), a partir de uma escuta ativa das discussões que vêm sendo realizadas no âmbito da museologia, arte e curadoria, e das discussões realizadas no âmbito do Conselho Aty Mirim.
O ponto de partida que provoca e ao mesmo tempo orienta a política é a noção de patrimônio cultural com base nas perspectivas indígenas, cujos paradigmas epistemológicos ampliam e esgarçam a noção de patrimônio que, costumeiramente, rege a visão ocidental e norteia a realidade global, enraizado na noção de propriedade privada e patriarcal. Diante do propósito de dar maior visibilidade e trazer à tona as histórias e narrativas indígenas sobre a arte de viver e se relacionar com o mundo, é importante revisar o que agrega valor a um bem material e/ou imaterial no contexto atual.
A discussão sobre patrimônio abre, inexoravelmente, campos de conflitos e disputas que — se bem trabalhados, discutidos e orientados no âmbito educativo e museal — criam um território onde é possível desenvolver o respeito cultural a partir de princípios baseados nos direitos humanos. Nessa perspectiva, diferentes modos de vida e práticas culturais podem ser entendidos como uma das maiores riquezas da humanidade, em contraposição à noção colonial de superioridade e dominação de uns sobre os outros, seja no plano individual ou coletivo.
Entre os diversos povos indígenas no Brasil, há consonância em afirmar que o maior patrimônio cultural é a vida e seus diferentes modos de manejá-la sobre o território que ocupam e partilham com os seres visíveis e invisíveis. Em última instância, a terra – onde a vida acontece – é o maior bem da humanidade, e exemplifica, em nível nacional, a disputa política e intercultural em torno do Marco Temporal, o maior campo de disputa na atualidade relacionado às questões indígenas no Brasil. Na visão dos povos indígenas, especialmente das mulheres, vocalizadas pela Anmiga (Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade), a terra é extensão do corpo e corpo é relação – nem abuso, nem exploração – “território nosso corpo, nosso espírito”.

Os conhecimentos e as práticas que criam e recriam as relações interpessoais, interespécies e a própria materialidade cultural (seja para uso individual, coletivo, doméstico, ritual ou lúdico) são reconhecidos como patrimônio imaterial indígena, que é a ponta de flecha da Política de Acervo do MCI — porque valoriza as pessoas, suas relações, suas culturas e o bem viver em diferentes perspectivas étnicas, sob a condição de que a vida tenha tempo de se regenerar, que a transmissão de conhecimentos seja contínua e intergeracional, e que haja mundo possível para as próximas gerações.
Isto posto, o documento da Política de Gestão de Acervos do MCI, em fase de finalização, aborda os seguintes pontos:
– A importância do MCI e de sua gestão compartilhada;
– Situação dos povos indígenas no Brasil e em São Paulo;
– Museu como conquista de um espaço de educação intercultural e a importância do Conselho Aty Mirim como orientador desta trajetória;
– MCI como Tava, Casa de Transformação;
– Museu vivo e acervos (Coleção Didática, Museológica, Bibliográfica e Documental);
– Patrimônio cultural na perspectiva indígena;
– Patrimônio como campo de conflito;
– Questões que se conectam com o Plano Museológico: o que o MCI considera como acervo; o que é importante transmitir às próximas gerações; o que faremos de diferente dos outros museus?
– Diretrizes técnicas sobre o acervo: aquisição (compra e doação), empréstimo, descarte, conservação, direitos autorias, de uso de imagens etc.

Fiquem atentos para a leitura, contribuições e compartilhamentos da Política de Acervo do MCI.